Prepare-se: vai
faltar água na torneira. A situação é extremamente crítica. Em pleno verão,
época de abundantes chuvas, os reservatórios estão minguados. Na agricultura, o
forte calor associado às baixas precipitações estorrica as lavouras. Anda em
busca de explicações o inusitado fenômeno climático.
Prato cheio para o
catastrofismo ecológico. Estrilam sua voz os que apregoam o fim do mundo pela
nefasta ação do homem sobre o meio ambiente. Na teoria das mudanças climáticas,
o efeito antrópico sobrepõe-se às causas naturais. E uma de suas consequências,
nessa questão hídrica, seria a maior variabilidade na lavanderia de São Pedro:
épocas muito chuvosas se alternariam com outras muito secas, no mesmo local.
Tempo maluco.
Em decorrência do
aquecimento global, causado pelo acúmulo de CO2 na atmosfera, haveria também um
deslocamento das zonas úmidas. No caso brasileiro, por exemplo, supõe-se que
até o final deste século a floresta amazônica se transforme numa savana, um
bioma árido semelhante ao cerrado do Centro-Oeste. Nesta região, inversamente,
passaria a chover mais. Vai saber.
Há quem, observando
as margens dos mananciais, jogue toda a culpa da falta d'água na supressão das
matas ciliares, aquelas que protegem as beiradas dos rios, córregos e
nascentes. É exagero, mas a questão existe. Houve, nos campos e nas cidades,
uma ocupação desordenada dessas áreas ribeirinhas, prejudicando os recursos
hídricos. Pelo interior afora se contam inúmeras minas d'água que tristemente
secaram por causa do intenso desmatamento.
Hoje em dia, porém,
a situação está melhorando. Aqui, no Estado de São Paulo, o desmatamento
cresceu até os anos 1990, verificando-se um processo de recuperação ambiental
desde então. Dados do Inventário Florestal indicam que a vegetação natural
cobre atualmente uma área de 4,3 milhões de hectares, correspondente a 17,5% do
território paulista. Antes eram 13,9%. Maior conscientização somada à repressão
policial trocou a página da supressão vegetal, abrindo a da regeneração florestal.
Com ajuda das áreas canavieiras, formam-se corredores de biodiversidade
serpenteando os cursos d'água no campo. Fauna e flora agradecem.
Pode ser que as
mudanças climáticas e a ocupação humana estejam afetando o regime de chuvas.
Seca, porém, não é privilégio contemporâneo. Na História da humanidade
verificam-se terríveis períodos com pronunciada falta d'água. Sua repetida
ocorrência é arrolada por Jared Diamond entre as explicações do colapso da
civilização maia. Somados à exploração exaustiva dos recursos naturais na
península mexicana de Yucatán, longos períodos de severa estiagem explicam a
derrocada de Tikal, por volta de 600 d.C. Era apenas o começo da desgraça. Todo
o povo maia acabou terrivelmente afetado por uma grande seca iniciada em 760,
cujo auge se deu 40 anos mais tarde. Uma década depois, em 810, seguidos anos
com pouquíssima chuva aniquilaram essa agricultura pré-colombiana. Ferozes reis
guerreavam buscando alimento e água. Até que, a partir de 910, uma seca de seis
anos seguidos arrematou a tragédia.
Falar em seca aqui,
no Brasil, lembra o Nordeste. Vem de longe o recorrente problema. O primeiro
relato da falta de chuvas na região é de 1583, descrito pelo padre Fernão
Cardim, então apiedado pelo sofrimento dos índios do sertão. Quase dois séculos
depois, entre 1877 e 1879, parte importante dos moradores de Fortaleza pereceu
em devastadora seca que afetou especialmente o Ceará. De tempos em tempos o
nordestino padece no tórrido chão. Há dois anos, metade do gado bovino morreu
no semiárido, durante a maior seca dos últimos 50 anos.
Os eventos
históricos mostram, à farta, que muito antes de os cientistas se preocuparem
com o meio ambiente as secas já danificavam economias e arrasavam populações.
Os dramas mais recentes, desnudados pela facilidade das comunicações, ganharam
viés ecológico, impressionando a opinião pública. Mas, cientificamente, ninguém
garante os motivos que levaram a Austrália a ver sua competitiva agropecuária
decaída por uma década de atípica de chuvas no início deste século. Na
Califórnia (EUA), atormentada pelo terceiro ano seguido extremamente seco, o
fenômeno continua sem explicação.
Pouco importa
descobrir culpados, sejam humanos ou celestes. Em face do crescimento
populacional e do consumo crescente, é imperativo investir seguidamente na
proteção dos recursos hídricos, elevando a capacidade de "produção" e
armazenamento de água. No curto prazo, com a ameaça de a torneira secar, resta
somente uma alternativa: combater desperdícios, reduzir o gasto do precioso
líquido. Nessa hora, desgraçadamente, se descobre que nossa cultura beira o
esbanjamento, não o racionamento. É terrível.
Noutro dia,
deparando com o zelador do prédio vizinho ao meu lavando a calçada com
mangueira, tive a ousadia de interpelá-lo: "Vamos economizar água, meu
amigo!" Tomei como resposta um xingo irônico: "Quem vai pagar a conta
é você?". O incauto não tinha a menor ideia da gravidade da situação de
nossos mananciais.
Desperdiçar água
simboliza o passado. O Amazonas e os demais grandes rios brasileiros sempre
transmitiram uma noção equivocada de fartura do precioso líquido, criando entre
nós a impressão de ser a água um bem infinito. Essa incompreensão só se
conserta com educação ambiental. É nos bancos da escola que se descobre que
apenas 2,7% de toda a água existente na Terra é doce e que os rios e lagos
respondem por ínfimos 0,3% dessa quantidade.
As crianças,
educadas com novas atitudes, sabem que economizar água significa civilidade.
Por isso não lavam calçadas.
*Xico
Graziano é agrônomo e foi secretário de Agricultura e secretário do Meio
Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br.